Foto: Seu João - Autor Desconhecido
1938 - 2009
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Seu João - era assim que conhecíamos o Pai do Celsão, esposo da Dona Maria - justamente o mês de Fevereiro enterrou o contador de histórias, era assim que víamos o falante Seu João... Essa crônica foi feita e desfeita várias vezes, tomou corpo na quaresma dos dias de Março... E finalmente publicada em Abril, depois do misterioso desaparecimento de sua foto que ressurgiu no domingo de páscoa dentro de um CD de Blues.
No dia em que plantamos o Peixe Grande, um dos presentes me disse que era difícil esquecer suas histórias, que ao deitar sempre vinham à tona, ilustradas, com os ecos da voz do Seu João. Isso mesmo, não enterramos, plantamos sim a semente do contador de histórias, para brotar mais tarde a fabulosa árvore dos pensamentos... Era um plantador de árvores, estão lá na Vila Sabrina, gigantes nas cercanias onde andou, plantou, contou – existiu, era um gigante. E lá em seu quintal rodeados por árvores guardiãs fazíamos nosso sarau, a Festa da Árvore.
Foi um guerreiro, um anfitrião, venceu várias vezes o seu marca-passo que teimava em falhar, venceu a velhice com suas narrativas e resolveu passar para outro plano assistindo TV junto com a sua família... Um dia antes, a Naomi, a cachorra da família se foi, antecipando e já fazendo mais uma história para o Peixe Grande, um de seus últimos repertórios nesse mundo.
De suas histórias, de jagunços, tiroteios, assombrações, festas que resolveram acabar e acontecimentos fantásticos nas estradas Brasil adentro, ficam encravadas nas mentes de quem o conheceu, e agora vamos multiplicar suas falas lançando os ecos de suas histórias e falas em todas as cercanias possíveis e impossíveis.
O filme Peixe Grande, de Tim Burton era a sua biografia, era personagem e contador, Seu João era uma bela fábula contada em voz mansa com tom interiorano, narrativas floreadas e vida simples como deve Ser... E a sua foto em semelhança com Kaspar Hauser e seu enigma, segurando a Santa com seu olhar penetrante. E o par de calçados, lançado nos fios de alta tensão, estão lá, em frente a sua morada, a nova, a velha, só os verdadeiros contadores é que sabem seu significado, enfim não precisava escrever nada, tinha o dom das palavras, da oralidade e isso já basta... Visto sua foto culminante - ai em cima, ai no alto – bem no alto... E como dita a tradição das antigas - bebemos Seu João no mesmo dia, na mesma hora. Lá estávamos todos nós, a sua volta, sem o rio em nossa frente, com a família, amigos e ouvintes incautos do Seu João, a terra caindo sobre a madeira e nós sobre a terra caminhamos mais uma vez...
Diz a lenda, Africana - que nas profundezas de todo rio mora um Peixe Grande. Cercado sempre de peixinhos menores e invisíveis o Peixe Grande é o guardião do Rio, enquanto ele estiver presente nada de ruim pode acontecer com o Rio ou com sua fauna e flora.
Adeus, até mais Seu João...
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Everaldo Ygor - Quaresma 2009.