Séries Crônicas Urbanas III
Locais Reais e Imaginários.
Um dia após o casamento do camarada Toninho Louco, uma prova real de que até os mitos mudam, crescem e se transformam em novos mitos... Sem dúvida um dos melhores que já fui, festa, conversas, revelações, intrigas e guloseimas a parte, a tertúlia foi iluminada pela cachaça amadeirada pela umburana dos confins do Brasil. Vi pessoas felizes, há tempos não saia para festas, estava guardado empoeirando, estudando e refletindo dias afins esperando o telefone tocar, esperando o chamado que nunca chega. Fechamos o salão e fui discorrer sobre a festa em meu travesseiro. Acordei cedo, uma pequena ressaca pairava na mente. Água gélida na face, diante espelhos de um homem só. De cara na rua, observei o céu azul, lá estava a Lua quase cheia, branca, pairando no claro firmamento azul claro, pairando sob e sobre nuvens esbranquiçadas. A brisa fria teimava em soprar em todas as direções, fiquei contemplando a manhã de domingo inverno antecipado, parado, incauto por minutos afim. Observei na laje vizinha um churrasco em andamento que me lembrou o da festa do dia anterior. Na rua encontrei o casal recém casado, senti falta de meu cão Jack, falecido recentemente, senti falta de um Amor recente, de mar sem fim, senti falta da própria falta. Colar de sândalo no pescoço, permaneci. Fui até um campo, ladeado por uma grande praça próximo de minha antiga casa. Seguindo anúncios de faixas de um espetáculo de Reggae com Andrew Tosh e o DJ China Ken entre outros, camarada das antigas Blaks da Vila Madalena dos anos 80. Caminhei lento, mas ainda era muito cedo, resolvi almoçar em casa de Mãe... Retornando mais tarde ao local do espetáculo, caminhei em círculos concêntricos. Por aquelas paragens já ouvira falar de um Bar das antigas com moda de viola naquela área, nunca encontrei o mesmo, nada. O som já começava a soar na tarde fria de Sampa, na Zona Norte. Sentei em um banco da praça, tomando conta do movimento, tomado pelo flash beck do passado recente em minha mente, pensamentos, sensações, vazios, falas e suores embriagadas ao vento frio, ao Sol, ao som do compasso do coração, da respiração. Caminhei, observei minha carteira quase vazia, ao menos R$ 5,00 para duas cervejas, algumas moedas e nada mais. Tomei distancia do palco, o cheiro do mato das bordas da grande praça estavam no ar, eu estava no ar, uma oferenda, um agdá e algumas rosas... De repente uma passagem de som de outra direção, outro tom. Lá estava ele, um boteco na esquina em frente ao campo, ao palco ao personagem insólito desse e deste conto. Das crônicas urbanas, das cercanias periféricas, dos dias... Definitivamente era o bar Ponteio da Viola. Adentrei ao recinto sem vacilar, ao redor pessoas antigas, observavam estupefatas o evento lá fora. Eu, inebriado apreciava confuso a decoração local. Fui ao balcão lá estava ele, o mestre Tião Carreiro, aquele da dupla Tião Carreiro e Pardinho, Negro de dois metros, olhos que brilham, sorridente organizando a bagunça de um novo velho e sonhador espetáculo que estava por vir. Dono do boteco que seria o porto seguro para dias frios, dias de reclusão de liberdade plena... A figura mágica a mil metros de minha antiga casa e nunca havia percebido sua magia, sua presença. O bar existia anos a fio pelo que apurei no Local. Simples com pôster na parede, pequeno palco no fundo, sempre aos domingos a tarde a Viola Mágica tocava por Lá... Sempre na tarde de domingo! E eu só descobri no último domingo, às vezes estamos cegos diante de verdades tão belas e transformadoras. Uma pérola na perifa. Perguntei tremulo e ingenuamente no balcão: - Você é o cara?!
Em resposta serena, veio a frase do eterno... - A gente faz o que pode, vai tomar uma?
Peguei a cerveja, sentei, dividi atenção dentro e fora do bar, lá longe ecoava as mágicas pick-ups do DJ China Ken, aqui dentro, timidamente o som começava a girar, eu começava a renascer ao som da verdadeira Raiz, de minhas raízes, das raízes profundas dos outros. Os convidados todos das antigas, com CDs lançados, gravadoras, violeiros iniciantes, as duplas e indivíduos que trazem na alma o violar instrumento supremo das notas musicais, de notas regionais, de Elementais da natureza, de amores e trilhas... Ouvi estórias surreais, da estrada da vida, da viola, do respeito, do interior, do nordeste, da saudade, de existências sofridas, mas felizes. Tião Carreiro orquestrava a fuzarca, eu bebia. Levantei logo fui ao balcão parabenizar pelo óbvio, ele sério e sorridente, ofereceu uma pinga para molhar as palavras, de pronto aceitei, e proseamos sobre os jovens Lá fora no som e nós os velhos aqui dentro na Paz... Um dia volto lá e levo o som do Moreno, violeiro irmão para ele apreciar... Tomamos mais uma, contei o causo de compadre Lampião e ele vociferou o causo da Viola, da vida, deu aula que nunca mais esqueço, me calei eternamente e ouvi sua voz com respeito até o dia clarear... – Vai lá Tião! Um domingo extraordinário, que dificilmente vai repetir, vivi alguns momentos belos, uma tarde de luar, surreal aos olhos dos outros, ao meu luar. Comovido ouvi sons melódicos, na certeza incompreensível de estar realmente só nessa caminhada, em dias gélidos, outono inverno em nossas almas, com Sol fraco, dias claros onde o bom e velho vento nem sempre frio ainda teima em mandar mensagens nem sempre decifráveis, sempre... Dividindo nas cinco direções, ao olhar na voz tremula sua mensagem solitária nas Crônicas ou contos Urbanos do Ar, do Sol do Frio, das cercanias periféricas capitais. Sempre!
Everaldo Ygor, Maio – 2007.
* OBS. Em entrevista ao Gazeta Regional em Notícias do Parque Novo Mundo-ZN. Declara: Valdo Reis, o Tião Carreiro de hoje... Compoe hoje a dupla sertaneja Valdo Reis & Platini.